Falta de vagas em creches se agrava e expõe desafio estrutural da educação infantil no país

A dificuldade de acesso a vagas em creches voltou a crescer no Brasil e já atinge mais da metade das redes municipais de ensino. Levantamento nacional revela que a demanda por educação infantil superou, mais uma vez, a capacidade de atendimento das prefeituras, ampliando um gargalo histórico que afeta diretamente famílias com crianças de até três anos.

De acordo com o estudo Retrato da Educação Infantil 2025, elaborado pelo Ministério da Educação em parceria com o Gaepe-Brasil, 52,1% dos municípios brasileiros declararam não ter conseguido atender toda a demanda por vagas em creches. O percentual representa 2.904 municípios e mostra um crescimento significativo em relação ao levantamento anterior, quando 44% das redes relataram o mesmo problema. A pesquisa abrangeu todos os municípios do país e o Distrito Federal.

Entre as cidades que conseguem dimensionar suas filas de espera, foram registradas 826,3 mil solicitações por vagas, um aumento de 30,6% em comparação ao ano anterior. O dado mais expressivo está na faixa etária de bebês de zero a 11 meses: as inscrições quase dobraram, saltando de 123 mil para 238 mil pedidos. Segundo o diagnóstico do estudo, esse crescimento reflete maior conscientização das famílias sobre o direito à educação desde a primeira infância, além de avanços na identificação e no registro da demanda pelos próprios municípios.

O levantamento aponta também esforços das redes municipais para ampliar o diálogo com a população. Cerca de 77,8% das cidades realizam ações de comunicação e mobilização social para informar as famílias sobre o direito à creche, utilizando campanhas em escolas, visitas domiciliares e divulgação em redes sociais. A articulação entre áreas também avançou: em 64,3% dos municípios há identificação ativa de crianças de zero a três anos que não estão matriculadas nem inscritas em listas de espera, e em mais de 80% dos casos esse trabalho é feito em conjunto com os setores de saúde e assistência social.

Na pré-escola, etapa obrigatória para crianças de quatro e cinco anos, o cenário é mais positivo. A cobertura nacional alcança 94,6%, com a maioria das redes adotando estratégias de busca ativa para localizar crianças fora da escola. Em mais de 90% dos municípios, essas ações ocorrem de forma integrada com políticas de proteção social, o que contribui para reduzir a evasão e garantir o acesso nessa faixa etária.

Outro ponto analisado pelo estudo é a organização das filas de espera nas creches. Quase metade dos municípios que possuem demanda reprimida já utiliza protocolos formais e sistemas integrados de gestão para organizar a oferta de vagas. Apesar do avanço, o tema ainda gera preocupação. Um levantamento recente do Tribunal de Contas da União mostrou que 35% dos municípios com filas não adotam critérios claros de priorização.

Para a doutora em educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Catarina de Almeida Santos, o cenário ideal seria o atendimento integral de todas as crianças que demandam vaga. Diante das limitações estruturais, no entanto, ela defende que a transparência nos critérios de acesso seja uma exigência mínima. Segundo a pesquisadora, a ausência de regras claras abre espaço para distorções, favorecimentos indevidos e desigualdades no acesso ao serviço público.

O aumento da demanda por creches evidencia tanto a maior valorização da educação infantil pelas famílias quanto a urgência de investimentos consistentes no setor. Especialistas avaliam que ampliar a oferta de vagas, qualificar a gestão e garantir critérios transparentes são passos fundamentais para assegurar o direito à educação desde os primeiros anos de vida e reduzir desigualdades sociais que começam ainda na infância.